domingo, 14 de setembro de 2008

Uma comunicação multi-étnica é necessária

No dia 29 de agosto, um grupo de estudantes de Jornalismo da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) foi à Recife, capital pernambucana, fazer uma visita técnica e uma pesquisa sobre dois grandes grupos de comunicação do Brasil: o Sistema Jornal do Commercio, do empresário João Carlos Paes Mendonça, e a Globo Nordeste, da família Marinho.
Atualmente, apenas 13 famílias e/ou grupos religiosos são responsáveis por 80% da informação que circula em todo o país, seja ela televisiva, radiofônica ou impressa. As duas famílias proprietárias dos veículos de comunicação visitados fazem parte da seleta lista que detém o poderio comunicacional no Brasil.
No Sistema Jornal do Commercio tivemos a oportunidade de conhecer as instalações da TV Jornal, Rádio Jornal e Rádio CBN, Jornal do Commercio e JC Online. Já na Globo Nordeste, visitamos os estúdios, as ilhas de edição e a redação da TV.
Organização, conforto, estrutura, bem-estar. Essas características não faltam aos jornalistas que trabalham nos dois veículos de comunicação. Entretanto, o que despertou a minha atenção nas empresas de comunicação visitadas não foram os modernos equipamentos ou a organização das empresas, mas um outro fato: a ausência de negros e negras nas redações.
Menos de 10% dos jornalistas que pudemos conhecer no Recife são negros. Curioso, perguntei ao chefe do setor de Marketing do Sistema Jornal do Commercio, que nos apresentou toda a estrutura do grupo midiático: “aqui não trabalham jornalistas negros? Quais os critérios utilizados para seleção e contratação de jornalistas?”. Recebi a seguinte resposta: “por coincidência, hoje não tem nenhum. Mas há jornalistas negros, sim. É porque estão na rua, trabalhando”. E não tinha nenhum mesmo.
Mas não é uma simples coincidência. Infelizmente, essa é uma constatação em várias redações do Brasil. Em artigo recente, o jornalista Maurício Pestana afirmou: “em todos esses anos que atuo no jornalismo, em quase todas as redações que passei, a realidade é a quase inexistência da presença negra”.
Atribuo isso a diversos fatores, mas o principal talvez seja a ausência de políticas de inserção dos negros e negras nas universidades, logo esse não é um caso isolado do jornalismo. Discutir de forma clara e objetiva a aplicação de ações afirmativas e cotas no Brasil tem sido uma tarefa árdua. É impossível entrar nessa discussão sem levar em conta aspectos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais do povo brasileiro.
O fato de quase não haver negros e negras nas redações dos grandes meios de comunicação, seja, talvez, o motivo pelo qual o povo negro é, muitas vezes, estereotipado e marginalizado nas produções midiáticas.
O que observamos, por exemplo, nas novelas é que à mulher negra cabe o papel de empregada doméstica e aos homens negros, as portarias e a abordagem marginalizada. A publicidade brasileira também não reproduz nossa diversidade. O professor Muniz Sodré cunhou o termo "síndrome de vampiro" para denominar o fato de os negros, de um modo geral, não conseguirem enxergar sua imagem no espelho da mídia.
Para o psicólogo Ricardo Ferreira, a presença dos negros na TV é fundamental para a construção de uma imagem de si mesmo. “Enquanto as crianças negras continuarem tendo somente mulheres brancas e loiras como conceito de beleza, como a Xuxa, elas terão dificuldades em aceitar suas qualidades”, afirma. É o que se chama de “ideologia de branqueamento”, presente na televisão brasileira.
Precisamos parar de analisar as relações étnico-raciais no Brasil como mera coincidência, como fez o chefe de Marketing do Jornal do Commercio. É preciso, sim, compreender o papel dos meios de comunicação no processo de construção e afirmação de identidades culturais e, principalmente como reprodutores de uma lógica que não reconhece a diversidade étnico-racial.
Isso significa o despertar para a importância de democratizar a comunicação como forma de lutar contra tais estereótipos.

Paulo Victor Melo.

2 comentários:

Érica Daiane disse...

As visitas técnicas que tenho feito até o momento (6º período do curso) só serviram para uma coisa: reforçar a certeza de que não quero me "enfiar" numa redação e cumprir durantes anos as rotinas de produção tão bem descritas nas visitas.
Tô no curso errado? Acho que não, pois essas mesmas visitas também contribuiram para outra certeza, a de as as salas de aula precisam ser ocupadas por profissionais inconformados com a realidade descrita no texto de Paulo.

Érica Daiane disse...

A professora Ceres pediu para postar o seguinte comentário:

Paulo:
Acabo de ler teu artigo, bastante pertinente sobre o tal do 'racismo institucional'. É assim que ele opera invisibilizando pessoas pertencentes a históricos grupos de excluídos. A revista Imprensa e a Fenaj já divulgaram dados de pesquisas informando o mesmo: a ausência de profissionais de jornalismo na mídia.Tenho dados de uma outra pesquisa dando algunsnúmeros levantados no Brasil sobre a presença de profissionais negros nas redações.Mas não é só nas redações que o racismo institucional opera. É em toda a sociedade... Por isso, acredito que precisamos estar, ocupar todos os espaços levantando novos olhares e reflexões sobre a realidade brasileira. Inclusive, seguindo a sugestão de Erika, quando diz que as salas de aula precisam de estudantes e docentes criticos.
Outra coisa: vc não quer publicar esse texto em outro veículo eletrônico? Acredito que o jornal Irohin teria interesse.

Céres Santos