domingo, 14 de setembro de 2008

Filme e Fotografia no Vale da Conquista: mais uma experiência no MST


Sábado à noite, lua crescente, linda, iluminando as dezenas de barracos enfileirados naquele trecho de terra recém-habitado. Estávamos no Vale da Conquista, Assentamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que fica há alguns quilômetros da cidade de Sobradinho.
A comunidade se organizava para receber companheiros e companheiras de outro Assentamento. O motivo? A culminância de um projeto desenvolvido, nos dois assentamentos, por uma jovem casal de franceses. “Mais veja, foto tirada com lata de leite!”, “e o nosso acampamento virou filme mesmo!?”, sussurravam algumas vozes na platéia que se formara no oitão (parte lateral da casa) de um barraco no centro do assentamento. Crianças, adultos, homens e mulheres que erguem o punho esquerdo e gritam “Pátria Livre! Venceremos!” e que têm a consciência de que vivemos em uma sociedade injusta e precisamos sim juntar os braços na luta pela soberania popular.
Primeiro, a mística, depois o hino e as palavras de ordem. Aí vem o Setor de Juventude e apresenta com entusiasmo o mais novo instrumento de comunicação do Movimento. A vez é do pessoal do Assentamento São Francisco que agora sabe tirar foto com lata. Isso mesmo! A técnica usada permite que uma lata (de leite em pó ou similar) com um pequeno orifício capture a luz e registre a imagem; dentro da lata coloca-se o papel da fotografia que é revelada em uma sala bem escura, explica um dos mais novos fotógrafos do MST. Uma das alunas da oficina de fotografia, que teve como instrutora a jovem francesa Celina, mostra uma seqüência de fotos que conta um pouco do dia-a-dia do Assentamento São Francisco e da luta do Movimento. Fortes imagens em preto e branco são responsáveis pelo silêncio e encantamento da maioria. Além das fotos reveladas e arquivadas em CD-ROM, o Movimento agora tem também um pequeno livro com algumas dessas imagens e textos produzidos coletivamente.
É chegada então a vez das/dos jovens do Vale da Conquista falarem da experiência de produzir “Amizades em Movimento” – Um filme coletivo produzidos pelos jovens do acampamento Vale do Salitre. “Foi apenas um mês de produção, eu tinha medo que não desse certo, mas deu”, lembrou Guilherme, esposo de Celina, que foi monitor da oficina de vídeo.
O Vale da Conquista tem pouco mais de dois meses, a maior parte das famílias assentadas veio do acampamento Vale do Salitre, local onde aconteceu a oficina de vídeo que deu origem ao mais novo filme do Movimento Sem Terra, produzido pelos jovens militantes.
“Amizades em Movimento” é uma mistura de realidade e ficção e é uma importante prova de que as necessidades do povo são ignoradas, como destacou D. Dora ao final da exibição. O assentamento Vale da Conquista só existe hoje porque o governo tirou as famílias das terras salitreiras que vão ser usadas para o agronegócio em um projeto que há mais de 20 anos está no papel e, quando sair, vai servir apenas para continuar a exploração dos/as pequenos/as trabalhadores e trabalhadoras.
Contudo, são pequenas experiências como essas do MST que despertam a consciência, sobretudo da juventude, e revigoram as forças das/dos que acreditam que uma outra forma de organização social é possível. É a fotografia com lata, o cinema no oitão do barraco na noite de lua clara, por exemplo, que faz resplandecer os olhos de quem acredita em um mundo melhor. Mas, não basta a emoção, é preciso está ciente de que discurso e prática têm de andar juntos e que a luta é conjunta.
Como diz D. Francisca no filme “Aqui a gente nunca diz é minha. É nossa!”
É nossa a certeza de que é preciso persistir e continuar a lutar pelo fim das opressões impostas por um sistema que ignora as lutas sociais.

Érica Daiane

2 comentários:

Érica Daiane disse...

Sim... caso alguém se interesse, eu tenho o filme "Amizades em Movimento", posso emprestar. Ou podemos pensar em um espaço (físico e temporal)para exibição.

Paulo Melo disse...

O filme é realmente muito lindo. A qualidade da obra e as idéias que ele transmite demonstram que a Comunicação é um direito humano, e que precisa ser levado aos jovens as ferramentas da comunicação. Depois: eles/as sabem como fazer. Érica, só queria fazer uma consideração no seu texto, quando vocÊ afirma que o Assentamento "só existe porque o Governo tirou famílias dali"...em verdade, o Assentamento existe é pela luta daquelas famílias que passaram mais de um ano enfrentando o Estado e os preconceitos da sociedade no velho Acampamento Salitre...Paulo Victor.